Sinto tudo como uma farsa. Pinto as unhas para parecer mais sofisticada ou talvez só para fingir que sou igual às outras. Coloco os sapatos altos, os pés doem-me, penso porque é que o fazemos? Porque é que o faço? Visto- me e faço um penteado, sinto que não sei bem o que estou a fazer, que todos os passos e todos os detalhes são falsos, que esta não sou eu. Porém, não me sinto mal por isso. Estou bem, aparento estar bem. A farsa funciona, funciona sempre. O parecer bem é meio caminho para se estar bem. Eu sei-o.
Não estou propriamente entusiasmada, talvez devesse estar. No entanto, há tanto ruído... o maravilhoso livro triste que li hoje, telefonemas com palavras proferidas que magoam, o vazio do costume. Vou porque sei que me vai fazer bem, que me vai fazer esquecer de tudo e vou entrar num mundo em que tudo é belo, colorido e animado. Pelo menos por umas horas. E por vezes a alegria dessas horas é uma botija de oxigénio que nos permite respirar durante uma semana.
Os anos passam e a nuvem negra continua demasiado perto de mim, sem nunca realmente se afastar, mesmo em dias de céu azul. Procuro sempre uma distracção que me faça acreditar que a vida não é só isto. Como tenho a certeza que não é. Vi-o nos olhos de um cão, vi-o no sorriso de uma criança, senti-o no vento que passou por mim, senti-o na pele depois de um toque, vi-o num pôr de sol, lembrei-me. Não é só mais um ano, é também mais uma oportunidade, mais tempo, mais esperança, mais...
Vou ali então vestir a farsa.
AR
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