domingo, 22 de novembro de 2020

Sobre o que poderia ter sido

 

Amar é para alguns tão fácil. Para mim sempre foi um labirinto misterioso.

No entanto, é fácil para mim reconhecer carinho, olhar alguém e sorrir, sentir algo. Empatia, ou um je ne se quoi.

Tenho tendência para viver o momento sem acreditar que aquele momento vai-se prolongar. No fundo, sinto que desisto do sentimento antes sequer de sentir, desisto das pessoas antes de as conhecer. No entanto, sempre soube viver os momentos, nunca desisti dos momentos.

É estranho quando chego à conclusão da quantidade de vezes que houve a oportunidade de encontrar o amor.

Podia ter sido. E hoje vejo-me a imaginar todos os caminhos possíveis na estrada para o amor.

Poderia ter sido, porém, não foi.

É interessante que penso que se visse muitos deles amanhã, sorriria da mesma forma que a primeira vez.

Então… talvez, os tenha amado a todos um bocadinho. Talvez saiba mais sobre o que é o amor do que muitas outras pessoas. Talvez não tenha desistido, simplesmente arrumei as caixas cuidadosamente, dei-lhes um beijo e sussurrei “até um dia” e segui caminho até ao próximo mundo novo, com intenção de o amar também.

domingo, 15 de novembro de 2020

A pausa

Estar vivo hoje é um dilema.

Este ano tem sido um desafio a vários níveis. Tem havido mais reflexão do que é costume. Coloquei em cima da mesa tudo o que fui, sou, serei e tudo o que tenho vivido. Após reflectir, cheguei à conclusão que há 4 anos renasci. Há 4 anos tive a coragem de começar a vida que sempre sonhei. Há 4 anos tudo mudou radicalmente. Hoje, olhando para trás, não reconheço inteiramente a pessoa que era antes da Índia. 

Tenho pensando muito no quanto mudei, o quanto começar a viajar tornou-me mais na pessoa que almejo em ser.

Viajar, conhecer pessoas, falar línguas diferentes, ver lugares pela primeira vez, cheirar um lugar novo pela primeira vez, sentir o toque, seja do que for, pela primeira vez, é mais importante do que eu pensava. É, agora, quase essencial à minha alma. Viajar veio colmatar tudo aquilo que me faltava. Tantas vezes foi o que me salvou do vazio. Muitas pessoas casam-se e têm filhos, as viagens tornaram-se a minha outra metade, o meu trunfo, a minha âncora, a minha essência.

Vive-se intensamente enquanto se viaja, o desconhecido deixa-nos alertas, sentimo-nos mais vivos, pois tudo à nossa volta é novo, sentimo-nos crianças a deslumbrar-nos com a beleza do mundo. É dessas sensações que tenho saudades. 

Vivemos num dilema. E enquanto antes a minha reacção era sempre fugir, agora não posso. Vendo-me numa rotina não me sinto ainda presa, como me senti antes. Não me sinto ainda a sufocar, como me senti antes. Porém, há em mim uma pequena insatisfação, aquela que sempre esteve presente. Aquela que não me deixa estar bem em lado nenhum, aquela que me grita ao ouvido: mexe-te. Aquela que dá comigo em doida desde que me lembro de existir.

À parte de tudo isto, só queria deixar escrito o quanto sou uma pessoa melhor desde que comecei a viajar e o quão sou feliz quando penso nas oportunidades que tive nos últimos anos e tudo o que conquistei, aprendi, fui e vivi. 

Tem sido tão bom que 2020 não me fere, 2020 não me afecta. Tudo o que tenho feito enche-me de tal forma que esta pausa da vida como a conhecíamos não me dilacera. Relativizo e penso: terei outros anos. 

E é com esse pensamento que tenho ficado quietinha, aguardando o após, pacientemente, como só uma alma em paz pode e sabe fazer.

 AR



segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Fantasmas de um passado distante

A inspiração está principalmente nos sentimentos mais profundos.

No entanto, esses trazem muitas vezes memórias e sensações que nem sempre são fáceis de gerir. 

Em tempos escrevia sobre tudo o que estava cá dentro, fosse bom, mau, íntimo, sem sentido, complexo...

Agora a sensação é que nada vale a pena. Nada é importante. A maior parte do que quero dizer, já o disse. Sinto muitas vezes que não há nada de novo. Porém, com a quantidade de mundos novos que vivi nos últimos anos como não há nada de novo? E depois lembro-me de ti. E de todas as pessoas que conheci depois de ti. Tantas... E sei que a resposta é clara. Não voltei a amar. Logo não há nada a dizer.

Todas as aventuras que vivi, todas as histórias mirabolantes experienciadas, todos os desconhecidos que abracei, todas as conversas sobre o tudo e o nada, todos os sorrisos que vi, todos os corpos que toquei, as paisagens que absorvi, as línguas que ouvi, tanta coisa que aprendi, o quão hoje sou radicalmente diferente do que era há 9 anos...

Tento analisar o que senti todos estes anos. E apesar de ter sido tudo incrível e não trocar nada do que aconteceu, sei, que faltou alguma coisa.

Depois de ti, sempre estive só. Não voltei a sentir-me acompanhada.

É difícil admitir isto. É, na verdade, uma merda admitir isto. Porém, quando o que queremos comunicar é a nossa verdade, não devemos ter vergonha de o gritar, se necessário. 

Não te quero de volta, longe disso. Espero do fundo do coração que sejas feliz e que saibas que te recordo com carinho.

AR

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Friends

Depois de mais de 10 anos a ver a série Friends acabei hoje de ver o último episódio, o qual nunca tinha visto.
Há anos que vou vendo episódio a episódio devagarinho. Não queria que acabasse. Esta série representa parte da minha adolescência, representa o meu tempo na Universidade, as amizades que fiz ao longo dos anos, a felicidade vivida, a união, a esperança. Pode ser estúpido, uma série representar tanta coisa, mas ao longo dos anos foi como uma âncora. As pessoas mudam, a vida transforma-se e nada é como era há 10 anos atrás, ou há 8 anos atrás ou mesmo há uns meses atrás. E embora tudo seja radicalmente diferente, posso sempre voltar a ver os Friends e a rir-me à gargalhada com as piadas que já conheço, a sentir a nostalgia, a sentir a esperança que ainda é possível haver amizades assim e que algumas são realmente para sempre.
Lembro-me de momentos que estão vinculados a esta série, guardo-os com estima. No sofá contigo a rir à gargalhada e ainda sem te conhecer bem, por alguma razão esse momento ficou gravado na minha memória. Noutro ano a prenda dela as 10 temporadas, todos os episódios. E depois uma foto de nós os sete com as letras Friends. (Uma coincidência bonita) Lembro-me que estas duas talvez tenham sido as melhores prendas que já recebi na vida e é difícil lembrar-me disso e não chorar. Pois, tu já não fazes parte do meu presente, recordando tudo isto faz-me pensar no porquê de termos deixado de falar. Infelizmente volta depressa as memórias do porquê.
Ao longo dos anos esta série fez-me companhia e faz-me sempre sorrir quando pouca coisa me dá alegria. Neste momento sinto uma dor simbólica. É como uma despedida de várias amizades que ao longo dos anos foram tão importantes e fizeram-me ser quem sou hoje. Mesmo que elas já não sejam uma realidade, outrora foram, e de qualquer forma estou agradecida por elas.
Em breve voltarei a ver o primeiro episódio. Muitas pessoas seguem em frente, mudam de hobbies, conhecem outras pessoas, alteram a sua maneira de ver as coisas, mudam de trabalho, de parceiros, de amigos...
Muita coisa vai mudar ao longo da vida, no entanto, eu vou sempre voltar a gargalhar com cada episódio como se fosse a primeira vez que o estivesse a ver. E talvez a série continue a dar-me esperança e faça-me acreditar de novo na autenticidade das amizades, na sua importância e no seu brilho.
Foi difícil ver o último episódio, porque fez-me lembrar, de uma forma intensa, um momento há 5 anos quando soube que já nada seria como dantes.

À esperança, e às coisas boas que vão aparecendo e ao tentar esquecer o passado e focar-me no futuro. Já vou tarde.

AR

terça-feira, 21 de julho de 2020

Perdoar

As pessoas não são aquilo que nós queremos que elas sejam, elas são aquilo que são.

Digo isto, pensando que ainda não aceitei esta verdade. Sei-a, acredito nela, mas não a aceito.
Com toda a treta que se está a passar no mundo, tantas pessoas a morrer à fome, tanta pobreza, tanta miséria... E eu só vou ao fundo quando penso que, iludidamente, estou só. Não estou realmente só.
A sorte não me preenche. 
Tenho tentado fazer mais com a sorte que usufruo, no entanto, já pensei em desistir várias vezes.
Há dias em que me pergunto, quem é que estou a enganar. Fingir que está tudo bem, sempre foi uma das minhas melhores características.
Sou tão boa nisso que as lágrimas já nem se lembram de aparecer. E tenho momentos que quase me esqueço da tristeza que existe em mim.
Queria conseguir perdoar. Tantas pessoas que queria perdoar. Queria ser leve, não me preocupar com as coisas, sorrir e acenar. Embora saiba que essa não sou eu, essa nunca serei eu.
E magoa. Dói-me para caraças. O desprezo é como uma estalada sem mão.
Gostava de saber valorizar a sorte que tenho, porém, só consigo pensar nas pessoas que deixaram de querer saber, só consigo pensar no vazio. Do nada que é estar aqui e agora.
Volto muitas vezes ao passado para me lembrar de sorrisos, de momentos intensos, sentimentos, emoções, gargalhadas e empatia e tretas. Voltar não me faz sentir melhor, pelo contrário.
Gostava de ser mais leve e abraçar a sorte que sempre tive. Gostava de aceitar a vida como ela é, gostava de aceitar as pessoas como elas são. No entanto, não consigo. Revolto-me de todas as vezes e uma parte de mim quer gritar, chorar, espernear e apontar dedos. Quero tanto apontar dedos... Gostava de ser melhor e de fazer as pazes com o passado, para que pudesse olhar em frente e acreditar mais nas pessoas do futuro. Embora, tantas vezes não confie mais em pessoas nem que o futuro vá ser diferente. Tantas vezes quero dar uma estalada em mim mesma e esquecer o quão sinto tudo tão profundamente.

Tenho também de aceitar-me, fazer as pazes comigo mesma e acreditar que alguém gostará de mim pelo que sou, e eu voltarei a sentir que afinal estar vivo é a história mais bela de todas.

AR
 




quarta-feira, 29 de abril de 2020

O caminho

Tenho ideia que quando era miúda escrevia mais porque sentia mais. Todos os dias sentia algo novo, ou acontecia algo no meu espectro social que me deixava pensativa. Penso que quando estamos a crescer todos os dias são um novo mundo, há tanto para aprender! Não só a aprendizagem da escola, mas essencialmente o que aprendemos uns com os outros, com o nosso grupo de amigos, com as pessoas das nossas turmas, com o relacionamento com os nossos pais e restantes familiares. 
A intensidade da vida é outra porque tanta coisa é feita pela primeira vez, experienciada pela primeira vez, sentida pela primeira vez. Existem dúvidas, medos, amores, inimizades... Todos os dias a vida pode chocar-nos, abençoar-nos, atraiçoar-nos... Pode haver uma tempestade a qualquer momento e de repente, os amigos deixam de o ser, os sentimentos mudam, alguém nos deixa de amar, ganhamos um inimigo novo sem querer, falamos sem pensar, pensamos demasiado, gritamos, choramos, rimos, dançamos, abraçamos... Todos os dias aprendemos a viver em sociedade, a viver com outras pessoas, a controlar melhor o que sentimos, a pensar melhor, a ser melhor. 
Há pouco tempo tinha dito que por vezes parecia que ainda não tinha saído da adolescência. Agora parece-me que talvez seja já parte da minha personalidade, talvez nunca mude. No entanto, algo se perdeu dos tempos de miúda, apesar de que pode haver coisas que gostaria que se tivessem mantido, a verdade é que ter crescido e a maneira como cresci não foi má de todo e tenho orgulho em muita coisa que fiz, faço e sou. Tornei-me muito mais próxima da pessoa que queria ser. É um todo processo, o qual só acaba quando a morte vier. Ainda há muito para aprender. 
Há dias em que penso no que era e até que tenho saudades dessa miúda. Foi ela que me ensinou a amar, foi ela que me ensinou a lutar pelos meus objectivos, foi ela que me ensinou que "its okay" mudar de objectivos, foi ela que me ensinou que a solidão tem tanto para nos dar. Sei que é por causa dela, que estou aqui hoje forte, rija, presente, focada. Posso ter deixado de escrever tanto, de imaginar tanto, de sonhar tanto com o príncipe encantado e com uma vida "normal" perfeita, porém, sei hoje o valor da vida sem a artificialidade que nos querem fazer acreditar que é essencial, sei hoje que sou bastante. Sei que os sonhos são para ser concretizados e a vida para ser vivida ao máximo cá fora, no campo da acção. Pois as palavras não nos levam a lado nenhum concreto, só a um mar de ilusões. Deixei de me iludir. Talvez a minha maior realização até hoje tenha sido essa mesmo, passar a viver e deixar de sonhar. 
Quando era miúda tinha vários mundos dentro de mim. Hoje não são mundos imaginários, conheci-os, estive lá, ri-me lá, chorei lá, amei lá, aprendi lá, cresci lá. Sou feita desses mundos, eles são mais reais dentro de mim, pois toquei neles, respirei neles, fui feliz neles. Talvez tenha perdido muita coisa, talvez se tivesse escolhido outros caminhos, tivesse hoje uma vida dita "normal". Embora não saiba se seria feliz com essas decisões. O que sei hoje é que, apesar de tudo, apesar de parecer por vezes uma nuvem negra ambulante, apesar disso, sei que sou feliz. Que aprendi a ser feliz. O meu percurso, que foi escolhido por mim permitiu-me encontrar a felicidade e uma certa paz de espírito. Amanhã tudo pode mudar, pois, a vida é inconstante. Sabemos disso hoje melhor que nunca. Tudo pode mudar numa questão de segundos. No entanto, hoje, agora, estou orgulhosa do meu caminho. Olho para aquela miúda e sorrio, gosto muito dela e espero que nunca me esqueça do que aprendi com ela.

AR

segunda-feira, 30 de março de 2020

Moving on

Tem-se dito muito. Tem-se escrito muito, falado muito, gritado muito, chorado muito.
Esperam-nos meses caóticos, cheios de desespero, incógnitas, pânico, mágoas, incompreensão, injustiças, o tudo do nada.

Já passei por várias fases nestas últimas semanas, já me apeteceu gritar muito, bater em alguém, chorar até não haver amanhã. Já pensei que era mentira, não podia ser tão grave. Não acreditei a início que a nossa realidade ia mudar drasticamente. Não acreditei que fosse possível.
Porém, aqui estamos. Presos em casa, sem trabalho, sem liberdade.

Em tempos disse que podia sobreviver a tudo menos a uma vida sem liberdade. Agora que aqui estou, rio-me e lembro-me que já vivi sem liberdade e que sobrevivi.

Tudo isto tem sido um enorme desafio para a humanidade. Viraram-nos as vidas ao contrário e agora temos que nos desenrascar.
 Talvez por grande parte da minha vida ter sido estar em casa, sem fazer grande coisa, isto agora não me parece novo. Não queria voltar a isto, não era a minha ideia ter tempo para ler mais, para escrever mais. Não tinha ideia que ter tempo para pensar era uma vontade, nem por isso. No entanto aqui estou, a ter ideias, a acabar de ler livros que tinha para ler há anos, a escrever muito mais do que tenho escrito nos últimos anos. Claro, tem as suas coisas negativas, tenho voltado ao passado, tenho tentado ir buscar outra vez significados ao passado. Pensar demasiado sempre foi um hobbie constante, por essa razão também gosto de manter-me ocupada. Não estar ocupada e não puder ir viajar é interessante. É o obrigar-me a lidar comigo própria, é o não ter escape, é o obrigar-me a fazer alguma coisa para ajudar os outros, é o obrigar-me a pensar mais nos outros, na humanidade.

 Por mais que tenha receio com o que possa acontecer nos próximos meses, também estou curiosa para ver como é que a humanidade lida com tudo isto. Um pouco como um jogo. A vida de todos nós parece agora um jogo, um filme, um livro, uma história de ficção cientifica que não acreditaríamos ser possível vivenciar.
Estamos incrédulos, todos os dias ficamos ainda mais incrédulos. Mesmo não vendo televisão há quase 3 semanas, as notícias chegam até mim por todos os lados. Somos bofeteados com notícias a todos os instantes. A humanidade não sabe lidar com esta nova realidade. E entre os que estão em pânico, os que estão optimistas, os que estão preocupados, os que estão a tentar ver o lado positivo disto, os que estão a dar força aos outros, os que salvam vidas, os que continuam a trabalhar por isso a vida parece não ter mudado tanto, os que acordam todos os dias a chorar, os que saem de casa para ir correr por que não dá mais, os que ainda não acreditam na gravidade da situação, os que pegam no carro para ir a lado nenhum (está tudo fechado) sendo que lado nenhum é importante porque é sair de casa, desde os que se estão a passar porque perceberam que não têm paciência para a família, os que descobriram mais sobre a sua família, os que vivem sozinhos e como eu, aprendem mais sobre si próprios... Todos nós, ainda vivos, ainda aqui, à espera.

Alguns de nós sabem que nada voltará a ser como era. Não é fácil pensar nisto.

A vida que tinha posso esquecê-la.
Sendo assim o que farei a seguir? Quem me tornarei? Que caminho quero seguir depois disto? Vou ter liberdade para escolher?
E aceito tudo isto, como aceito o final infeliz do livro que li ontem.
Relativizo. Pois, sei que não será para sempre. Relativizo e penso melhor. O que quero ser depois disto? Que outros sonhos tenho? O que também me fará feliz?

Assim, outra fase da minha vida se encerra. Foi um encerramento forçado, no entanto, vem-me à cabeça a expressão: Be careful what you wish for.