sábado, 31 de dezembro de 2022

Não é só um vestido bonito

 Sinto tudo como uma farsa. Pinto as unhas para parecer mais sofisticada ou talvez só para fingir que sou igual às outras. Coloco os sapatos altos, os pés doem-me, penso porque é que o fazemos? Porque é que o faço? Visto- me e faço um penteado, sinto que não sei bem o que estou a fazer, que todos os passos e todos os detalhes são falsos, que esta não sou eu. Porém, não me sinto mal por isso. Estou bem, aparento estar bem. A farsa funciona, funciona sempre. O parecer bem é meio caminho para se estar bem. Eu sei-o.

Não estou propriamente entusiasmada, talvez devesse estar. No entanto, há tanto ruído... o maravilhoso livro triste que li hoje, telefonemas com palavras proferidas que magoam, o vazio do costume. Vou porque sei que me vai fazer bem, que me vai fazer esquecer de tudo e vou entrar num mundo em que tudo é belo, colorido e animado. Pelo menos por umas horas. E por vezes a alegria dessas horas é uma botija de oxigénio que nos permite respirar durante uma semana. 

Os anos passam e a nuvem negra continua demasiado perto de mim, sem nunca realmente se afastar, mesmo em dias de céu azul. Procuro sempre uma distracção que me faça acreditar que a vida não é só isto. Como tenho a certeza que não é. Vi-o nos olhos de um cão, vi-o no sorriso de uma criança, senti-o no vento que passou por mim, senti-o na pele depois de um toque, vi-o num pôr de sol, lembrei-me. Não é só mais um ano, é também mais uma oportunidade, mais tempo, mais esperança, mais... 

Vou ali então vestir a farsa.

AR