quarta-feira, 29 de abril de 2020

O caminho

Tenho ideia que quando era miúda escrevia mais porque sentia mais. Todos os dias sentia algo novo, ou acontecia algo no meu espectro social que me deixava pensativa. Penso que quando estamos a crescer todos os dias são um novo mundo, há tanto para aprender! Não só a aprendizagem da escola, mas essencialmente o que aprendemos uns com os outros, com o nosso grupo de amigos, com as pessoas das nossas turmas, com o relacionamento com os nossos pais e restantes familiares. 
A intensidade da vida é outra porque tanta coisa é feita pela primeira vez, experienciada pela primeira vez, sentida pela primeira vez. Existem dúvidas, medos, amores, inimizades... Todos os dias a vida pode chocar-nos, abençoar-nos, atraiçoar-nos... Pode haver uma tempestade a qualquer momento e de repente, os amigos deixam de o ser, os sentimentos mudam, alguém nos deixa de amar, ganhamos um inimigo novo sem querer, falamos sem pensar, pensamos demasiado, gritamos, choramos, rimos, dançamos, abraçamos... Todos os dias aprendemos a viver em sociedade, a viver com outras pessoas, a controlar melhor o que sentimos, a pensar melhor, a ser melhor. 
Há pouco tempo tinha dito que por vezes parecia que ainda não tinha saído da adolescência. Agora parece-me que talvez seja já parte da minha personalidade, talvez nunca mude. No entanto, algo se perdeu dos tempos de miúda, apesar de que pode haver coisas que gostaria que se tivessem mantido, a verdade é que ter crescido e a maneira como cresci não foi má de todo e tenho orgulho em muita coisa que fiz, faço e sou. Tornei-me muito mais próxima da pessoa que queria ser. É um todo processo, o qual só acaba quando a morte vier. Ainda há muito para aprender. 
Há dias em que penso no que era e até que tenho saudades dessa miúda. Foi ela que me ensinou a amar, foi ela que me ensinou a lutar pelos meus objectivos, foi ela que me ensinou que "its okay" mudar de objectivos, foi ela que me ensinou que a solidão tem tanto para nos dar. Sei que é por causa dela, que estou aqui hoje forte, rija, presente, focada. Posso ter deixado de escrever tanto, de imaginar tanto, de sonhar tanto com o príncipe encantado e com uma vida "normal" perfeita, porém, sei hoje o valor da vida sem a artificialidade que nos querem fazer acreditar que é essencial, sei hoje que sou bastante. Sei que os sonhos são para ser concretizados e a vida para ser vivida ao máximo cá fora, no campo da acção. Pois as palavras não nos levam a lado nenhum concreto, só a um mar de ilusões. Deixei de me iludir. Talvez a minha maior realização até hoje tenha sido essa mesmo, passar a viver e deixar de sonhar. 
Quando era miúda tinha vários mundos dentro de mim. Hoje não são mundos imaginários, conheci-os, estive lá, ri-me lá, chorei lá, amei lá, aprendi lá, cresci lá. Sou feita desses mundos, eles são mais reais dentro de mim, pois toquei neles, respirei neles, fui feliz neles. Talvez tenha perdido muita coisa, talvez se tivesse escolhido outros caminhos, tivesse hoje uma vida dita "normal". Embora não saiba se seria feliz com essas decisões. O que sei hoje é que, apesar de tudo, apesar de parecer por vezes uma nuvem negra ambulante, apesar disso, sei que sou feliz. Que aprendi a ser feliz. O meu percurso, que foi escolhido por mim permitiu-me encontrar a felicidade e uma certa paz de espírito. Amanhã tudo pode mudar, pois, a vida é inconstante. Sabemos disso hoje melhor que nunca. Tudo pode mudar numa questão de segundos. No entanto, hoje, agora, estou orgulhosa do meu caminho. Olho para aquela miúda e sorrio, gosto muito dela e espero que nunca me esqueça do que aprendi com ela.

AR