segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Desconhecidos

É interessante como passamos uma vida inteira a investir em relações com pessoas que consideramos que sabem mais sobre nós que todos os outros, que nos entendem como mais ninguém entende. Anos de amizades que nos deixam ir sendo felizes por não estar completamente sozinhos neste mundo que tem tanta gente mas tão poucas pessoas de verdade.
É preciso conhecermos mais pessoas, viajarmos, explorarmos, sem medos, sem receios, para descobrirmos algo que nos deixa sempre virados do avesso.
 Para descobrirmos que existem desconhecidos que em 5 minutos descobrem mais sobre nós do que alguns amigos de anos, descobrem quem realmente somos, de que matéria somos feitos.
 Ou então aparecem-nos na vida pessoas com quem é mais leve estar, pessoas com quem nos sentimos bem em silêncio. Olhamos para as pessoas que conhecemos há anos e sentimos que estar em silêncio não faz sentido, mas faz, faz muito.
Há desconhecidos que nos ensinam a viver de novo. Existem desconhecidos que nos ensinam a respirar de novo, ensinam-nos tantas vezes coisas sobre nós próprios que nem nós sabíamos nem nunca ninguém nos disse.

 Apesar de ser aborrecido conhecer tantas pessoas vazias, supérfluas,  sem muito interesse, contínuo a ser uma pessoa de pessoas porque adoro descobrir as pérolas no meio do oceano, os trevos de quatro folhas no meio do jardim, os arco-íris algures no céu...
Os momentos em que um desconhecido percebe realmente quem sou faz-me ter um bocadinho mais de fé em encontrar mais pessoas assim. Pessoas que ouvem, sentem e vêem como deve ser, não andam aqui a fingir, comunicam a sério com todos os seus sentidos. E não se esquecem, não se esquecem.

sábado, 8 de agosto de 2015

FU*

Suspiro. Vejo-me outra vez envolta numa mágoa que mói, que faz comichão e irrita.
Se uso a memória para que voltes e estejas presente, apetece-me sorrir porque te vejo. Esqueço-me por momentos que o passado não é o momento presente e sou feliz. 
Volta tudo muito depressa e de repente a ficha cai-me e tenho raiva. Raiva essa que, com o tempo e com o acto de respirar, é apaziguada. Não sou uma pessoa de guardar rancor. Sei que se aparecesses aqui agora que sorriria para ti, sei disso como sei o meu nome.
É curioso que nos agarremos a memórias mesmo depois de estas se começarem a desvanecer. É curioso que o sentimento ainda esteja presente mesmo que já não seja inteiro,mesmo que seja agora apenas uma sombra do que outrora foi. 
É uma sombra persistente esta. É-o porque é uma sombra que não sabe como ir embora. Então vai ficando e ficando e ficando...
Por vezes esqueço-me que ela continua aqui mesmo atrás de mim. Porém, sempre que olho para trás ali está ela, olho melhor e vejo que os contornos estão desvanecidos, olho melhor e ela própria já não sabe o que está ali a fazer. Olhamos uma para a outra e lágrimas caem dos nossos olhos. Estamos sozinhas. 

terça-feira, 14 de julho de 2015

Orgulho

Somos um povo triste.
Não é preciso ir longe para perceber isto. O Fado diz-nos muito. A nossa música diz-nos muito.
Ouvimos boa música portuguesa e percebemos que não temos boa música se esta não é triste.
Ouvimos vezes e vezes sem conta as nossas músicas preferidas portuguesas e de todas as vezes cresce uma tristeza em nós que é de tal significado que se torna uma tristeza cheia, uma tristeza que já faz tanto parte de nós que é bem-vinda.
A maior parte dos povos não entende isto. Não entende porque nos agarramos tanto às coisas menos boas da vida e fazemos música com elas. Somos, realmente, paradoxais. Pegamos em algo que de raiz devia ser algo alegre e tornamos-o melancólico, carrancudo, negro, pesado. No entanto, como nós fazemos poucos sabem fazer; tornar algo, apesar de pesado e triste, bonito, de tão cheio de verdade, de significado, de emoção, não é fácil. Agarramos em todos os nossos sentimenos menos bons, em todas as nossas emoções negativas e transformamos-as em músicas belas, tocantes, sinceras, cheias, sensíveis, com essência.
Esta é uma das razões porque amo ser portuguesa e sinto que não podia ser de outra nacionalidade qualquer.
Sinto que sou portuguesa dos pés à cabeça, e tenho orgulho nisso. Orgulho da tristeza incrustada na nossa alma mas ao mesmo tempo de uma esperança que nunca morre, de um sorriso genuíno, da lágrima que é também sempre tão genuína. Orgulho da maneira como vivemos, da nossa solidariedade e constante preocupação com tudo e todos. Orgulho de sabermo-nos desenrascar em qualquer situação mesmo que por vezes não tenhamos a mínima ideia do que estamos a fazer. Orgulho do amor que temos para dar que é sempre tanto apesar de em certas alturas escondido. Orgulho de sabermos respeitar os outros mesmo que nem sempre nos respeitemos a nós próprios. Orgulho, porque ser portuguesa para mim não é apenas viver em Portugal mas sim fazer parte de uma história e de um mundo que é muito nosso. É uma identificação partilhada, olhamos em volta, olhamos para as pequenas coisas e estamos em casa.

domingo, 28 de junho de 2015

Momentos

As memórias são traiçoeiras, tanto podem deixar saudades como podem desaparecer em 5 segundos. O tempo anda sempre a saltar entre ser nosso amigo e nosso inimigo. Os sentimentos brincam connosco a toda a hora, riem-se da nossa cara e ficam quando não os queremos por perto, vão-se embora quando até gostaríamos que ficassem. Os hábitos tanto nos fortalecem como nos enfraquecem. Os amigos não são eternos por mais que gostaríamos que fossem. O carinho, a solidariedade, a paixão, não estão sempre presentes. Porém, o mal, o ódio, a raiva, a indiferença também não ficam para sempre incrustados na nossa alma.(Se nos soubermos libertar deles)      Somos uma parte disto tudo. Das memórias, do tempo, dos sentimentos, dos hábitos, uma parte dos nossos amigos, das pessoas que passaram por nós, das coisas boas, das coisas más. Somos demasiado. E no entanto, se sentirmos com o coração percebemos que é tão pouco aquilo que realmente interessa. E tem sido tão pouco o valor dado a essa pequena parte da vida que está escondida em nós. Damos valor a tudo menos àquilo a que devíamos dar.
Aqui e agora vejo que não há nada mais importante do que momentos.
Tantas vezes momentos que duram segundos, alguns momentos que duram minutos, poucos duram mais do que isso. Momentos que eternizam-se em nós e relembram-nos o porquê de estarmos vivos.
Um olhar.
Um pôr-do-sol.
Um sorriso.
Um arco-íris.
Um abraço.
Uma flor.
Uma gargalhada.
Um silêncio.
Uma luz.
Um toque.
Um cheiro.
Um momento.
Momentos. 



quinta-feira, 5 de março de 2015

"Quais são as probabilidades?"

 
"Quais são as probabilidades de um raio me fulminar? Quais são as probabilidades se eu for para junto de uma árvore e gritar para que ele me queime? E se me cobrir de metal… ou se quiser muito? Será que é por querer muito que as probabilidades aumentam? Se calhar não, se calhar querer muito aumenta as probabilidades de se conseguir absolutamente nada porque o menino que não procura senta-se sempre em cima do ovo da Páscoa e o que procura, à chuva e ao frio, em vez do ovo vai chocar uma gripe.
E cada um tem o que merece, mas será que os que merecem têm? E se têm… o que têm é aquilo que pediram? Se calhar não porque quando pedimos nunca sabemos o que vamos ter e nunca conhecemos o que desejamos pela simples razão de nunca o termos antes. Exemplo, eu tenho fome e depois dores de barriga, eu estou sozinho e depois os que me fazem companhia apontam-me uma arma à nuca, eu tenho frio mas depois fecham-me num forno que me doura a pele e me queima os pêlos.
E o raio nunca cai no mesmo sítio, ou melhor, até pode cair mas quais são as probabilidades? E a sorte toca a todos, ou até pode não tocar a todos mas… quais são as probabilidades?
E pedimos o amor para termos alguém a instalar câmaras ocultas para ver se andamos a comer a mulher da limpeza, e quem anda à chuva molha-se porque estava seco.
E a sorte… acima de tudo imploramos pela sorte de receber aquilo que pedimos para depois não gostarmos e exigirmos antes não ter recebido… para depois querermos de novo e esperarmos que nada tivesse acontecido porque estávamos melhor no início. Mas quando estamos no início sentimo-nos sempre à espera do que nunca vem… e se vem não era bem aquilo porque o génio não paga a luz e a lâmpada está sempre submersa na escuridão… e quais são as probabilidades? Quais as hipóteses de felicidade? E o raio não vem… rai’s parta a minha vida que é esperar o que quero e não preciso, e preciso de esperar mas não quero, e gosto de ti porque tu não, e quando tu gostares vou deixar eu de te querer.E quais são as probabilidades de nos querermos os dois ao mesmo tempo? Quais são as probabilidades do nosso abraço apertado não afrouxar? Quais são as probabilidades de nos amarmos à mesma hora, nos mesmos dias, a cada segundo, como um raio que fulmina uma árvore repetidamente e que, em vez de a destruir, a faz encher-se de frutos? E quais são as probabilidades de não nos mexermos um milímetro para que o trovão nos dê voz e a luz nos encha o espírito?
E quando os dias pequenos e escuros nos trouxerem as pessoas rasteiras e sombrias que nos apontam defeitos como quem come cerejas, desfazendo-nos os brincos que usávamos só por sedução, e quando a tempestade nebulosa e sem faísca nos entorpecer de tédio e olharmos um para o outro para vermos um monstro obeso e cariado que já nem reconhecemos… o que é que vamos fazer aí? É possível continuar?
Quais são as probabilidades… quando o beijo me souber a azedo e o teu corpo me parecer de gelo… e o teu sorriso for tão magoado como o do anjo a quem não deram as asas?
E nessa altura… nessa altura vamos ter vertigens e vai ser difícil, mesmo muito difícil, porque os beijos serão mais curtos e as palavras ditas no meio do temporal serão secas… e vou esperar que sejas outra e tu… que eu não seja. E vamos estar tão desencontrados como o abraço que não queremos dar, como os lábios que resvalam para a bochecha, como o sangue que o coração bombeia por engano para os olhos que estão vermelhos de chorar. E aí tudo nos vai parecer o fim… e vamos querer continuar mas quais são as probabilidades de nos amarmos à chuva e ao frio e ao vento?
Quais são as probabilidades? Diz-me… quais são as probabilidades de um raio nos fulminar agora, aos dois, perpetuando-nos como uma estátua que o não quis ser, como uma dor mais lancinante porque foi procurada, como uma lei mais injusta porque foi feita depois do crime.
E o raio inunda-nos o corpo e os sentidos, e a chuva passa, e a trovoada chega-nos num dia de Verão em que o céu sem nuvens se enche de luz e nos ilumina a pele, e a boca, e os cabelos que voam com a electricidade estática.
E todos diziam que não… e nós também o dizíamos. Quais eram as probabilidades?
Quais eram as probabilidades do raio fulminar os mesmos dois, duas vezes, no mesmo sítio… e nem quisemos… ou até quisemos no início, mas depois não, depois não. Mas quando havíamos desistido e não o queríamos mais chegou um trovão fora de tempo que nos deu a voz das palavras doces… como as cerejas que nos roubaram e que não chegámos a comer, mas cujo sabor vamos sentir num beijo que vai durar até ao fim da morte porque só a vida não chegava."
 
luto lento - João Negreiros

"Plástica"


"Ontem disseram-me que eu era bonito e eu acreditei porque dava muito trabalho dizer o contrário. Além de que, ao dizer o contrário, poderia obrigar quem o afirmou a realçar-me a fealdade. Então resolvi simplificar as coisas e aceitar o elogio como se de uma verdade absoluta se tratasse. E depois fiquei bonito com aquela plástica na auto-estima… e fiquei tão bonito, tão belo e benemérito que decidi retribuir… e disse a quem me disse que quem me disse também o era… e quem me disse ficou tão contente que me fez desconfiar.
Será que quem me disse disse-me o que me disse para eu lhe dizer a seguir? E fiquei logo mais feio, entortou-se-me o nariz, tornou-se mais amarelo o branco dos olhos… e até um dente que tenho nos fundos amareleceu com a ausência de siso e ficou podre… e eu também.
Então encostei quem me disse contra a parede, literalmente, mas como era um muro reformulo a expressão: e encostei-o contra o muro, literalmente. E quem me disse disse que sim, que era a melhor maneira, que não teríamos que ir a uma clínica.
E foi então que percebi. E passámos três meses a dizermos da beleza um do outro e, no fim, estávamos tão belos, tão cheios, tão redondos com aquela silicone emocional e com a cabeça tão leve que começámos a voar. E demos quatro ou cinco voltas ao mundo sem outros motivos de conversa a não ser de dizermos um ao outro e outro ao um que éramos mesmo muito bonitos.
Mas as pessoas lá de baixo, as pessoas pequeninas, porque eram pessoas de ver ao longe e porque eram pequeninas começaram a lembrar-nos das imperfeições com megafones pendurados nos arranha-céus, como quem lhes lava os vidros mesmo quando não se distinguem da transparência do ar.
E esses lavadores de vidros anões fizeram pairar o nosso voo, e em seguida parar o nosso voo, e agora estávamos feios e a cair de encontro ao chão, e íamos mesmo para morrer mas, de repente, um de nós lembra-se e diz ao outro:
­- Tu tens um bom coração.
E o que ouviu não entendeu como uma análise clínica, mas como uma constatação da bondade de quem voa ao nosso lado. E o de bom coração respondeu:
- Tu tens bom aspecto.
Mas não chegou porque o aspecto nunca chega, às vezes pode parecer que chega mas nunca chega.
E o do bom coração voou de novo e deu mais catorze voltas ao mundo antes de morrer de velho. E o do bom aspecto morreu mesmo ali, quando lhe disseram que o tinha, parou-lhe o coração com o susto porque não era bom."
luto lento - João Negreiros

"Há espaço para mim no cume"


"Se escalasses o maior pico da maior montanha serias capaz de parar três metros antes e voltar para o quentinho?
Se fosses à Lua preferias ficar dentro da cápsula espacial a ver desenhos animados ou a jogar paciências sem gravidade?
Se fosses campeão do Mundo preferias ser do Mundo todo ou abdicavas de parte dele só para deixar países de fora da tua excelência?
Se estivesses quase quase, eras capaz de dizer “pronto, pronto”?
Se estivesses quase a chegar eras capaz de dizer “pronto, já chega”?
Se fosses mesmo crente numa coisa serias só crente na intempérie, na borrasca, na adversidade, na procela, no desespero?
Não eras capaz de crer também no céu mais claro a cheirar a terra molhada, no chá para a garganta roufenha, no sorriso e na vitória?
Ganhar é desconfortável? Faz-te comichão? Dá-te vontade de voltar para o quentinho e de não espetar a bandeira no cume mais improvável?
Ganhar abre o problema da habituação. Se começas a ganhar e a vencer, que é a mesma coisa, tornas-te repetitivo e depois não sabes fazer outra coisa. E vais ter menos coisas em comum com quem perde.
Queres um comprimido? Queres um xanax para te acalmar esse punho no ar a brandir vitórias? Queres um cobertor? Um programa de sábado à noite gravado para não pensares mais nisso? Queres um cérebro de um babuíno para não veres mais do que um banana?
Ó pá! Deixa-te de merdas e ganha! Ganha agora, ganha depois, ganha ontem, ganha sempre.
E se perderes… ganha. E se te custar ganha. E se não gostarem de ti ganha. E se gostarem ganha. E se continuarem a gostar ganha. E se te admirarem ganha. E se te desprezarem ganha. E se fores feio ganha pela beleza. E se fores bonito ganha para ficares feio, e a cheirar mal e cheio de inimigos, mas vencedor como aquele que faz o seu destino ao mesmo tempo que faz o resto.
Ganha até que não saibas nada para além disso. Ganha até que não seja ganhar. Ganha até que seja andar, respirar ou outra coisa tão real como estar.
E quando te disserem o que quer que seja tu responderás o que for porque a vitória não tem significado, é apenas aquilo para que te levantas todos os dias.
E se o sucesso for menos interessante e enigmático que o falhanço e a tristeza, tens razão. O sucesso é um sítio simples como tudo o que se percebe… e tu só percebes isto: ganha sempre até que a vitória seja o início."

As saudades que eu tinha do João Negreiros!

domingo, 15 de fevereiro de 2015

O amor é isto

Somos novas e no entanto já sentimos uma idade que não temos. Já passou algum (demasiado) tempo desde a nossa última saída.

Pegamos no nosso amor de amigas e decidimos ir passear; almoçamos, passeamos, falamos, vamos ao cinema...
Decidimos que não queremos que o tempo ou o cansaço ou a preguiça se apoderem de nós, decidimos ir sair para dançar e ver pessoas (homens) e ter a vida que em tempos tivemos e agora já não temos.

Vamos e a noite ficou aquém do que queríamos dela. A música veio tarde e não surpreendeu, os homens não se deslumbraram connosco, nós não nos deslumbramos com eles... A única coisa que não desiludiu foi o álcool, esse está sempre lá para o que der e vier.

No fim parece que nos demos a tanto trabalho para nada no entanto, o que fica na memória é aquele momento de euforia quando finalmente decidimos dar um passo em direcção ao desconhecido.
 Há sempre um risco inerente, nem sempre resulta como queremos. Porém, aquele momento em que só nos temos a nós e o destino, aquele momento de riso e gargalhada, aqueles momentos em que somos simplesmente nós à procura de algo mais que encaixe na nossa realidade, são momentos pelos quais vale a pena viver. Mesmo que nunca haja mais nada, mesmo que todas as noites acabem como aquela acabou, não faz mal, sabes porquê? Porque temo-nos uma à outra e isso para mim é insubstituível e sem preço.

Amor pode ser tanta coisa e quando dizemos que ele não faz parte das nossas vidas, enganamo-nos pois se realmente ele não tivesse presente numa ou noutra parte de nós, já não estaríamos vivas.
Nós ainda estamos vivas.
Vais ver que um dia tudo fará sentido porque quando olhamos para a nossa amizade já faz.

domingo, 18 de janeiro de 2015

O teu olhar


Lembro-me de ti. Eras mais magro, não tinhas barba, o teu estilo era diferente... mas o teu olhar...o teu olhar é igual. Profundo e carinhoso.

Vejo-te do outro lado da rua e duvido que sejas mesmo tu, fico a olhar à espera de que algo na tua postura me diga que estou errada.
 Vês-me deste lado da rua, os nossos olhares cruzam-se e sorrimos ao mesmo tempo um para o outro. És mesmo tu.
O tempo passou para ambos e quase que não nos reconhecemos. Os sorrisos esses são os mesmos e levam-nos a um passado que de tão longínquo quase que já parece apenas um sonho.
Eu fico parada no passeio pois esqueci-me de como se anda, tu vens na minha direcção e, bolas, continuas giro.
- Não posso acreditar. - Disseste-me tu.
- Bem quase que não te reconheci. - Disse eu, querendo abraça-lo não sabendo bem porquê.
- Pois, também já não nos vemos há anos, desapareceste completamente do mapa. - Desapareci para que este tipo de coisas não voltassem a acontecer mas parece que não conseguimos fugir de certas coisas, pensei eu.
- É verdade, nunca mais vi ninguém daquele tempo. - Olhei para a estrada e comecei a pensar quantos anos exactamente é que tinham passado. 
- Oito anos, já passaram oito anos, é incrível como o tempo passa rápido. - Parecia que tinha lido os meus pensamentos.
- Sim passa a correr. Então e o que é que tens feito nestes últimos anos?- Questionei-lhe eu.
- Bem, mudei de emprego, de cidade, casei-me, posso dizer que está tudo completamente diferente.
- Casaste-te? - Tentei fazer um ar de contente mas saiu-me um esganar esquisito na pergunta.
- Sim, por acaso foi há pouco tempo, foi há 5 meses.
- Boa! - Agora pareceu entusiasmo a mais, ia achar que estava doida. - O que interessa é que és feliz.
- Sim estou muito feliz, estou numa boa altura da minha vida.
- Que bom, estou mesmo contente por ti. - E agora a frase foi sincera, olhei para ele e sabia que o meu olhar transbordava de um carinho que não sabia de onde vinha mas que era realmente genuíno.
Ele deve ter sentido esse carinho pois desviou o olhar e corou.
Quando se recompôs, perguntou-me como estava tudo comigo. Ainda estava meio abalada com a notícia do seu casamento portanto disse só que estava tudo bem sem adiantar grande coisa.
- Olha tenho pena que não possa ficar aqui mais tempo mas tenho de ir andando. - Disse eu já a fugir de toda esta situação.
- Sim eu também tenho de ir. Sabes gostei de te ver podíamos combinar um jantar para falarmos melhor o que é que tu achas? - Fiquei meio parva com esta pergunta e não sabia o que havia de responder.
- Ahh, ok acho que pode ser. 
- Amanhã?
- Amanhã?!
- Não?
- Ahh, bem acho que sim, a que horas?
- Lá para as oito? Encontramo-nos no centro e depois vemos a onde vamos jantar.
- Ok, então fica combinado, até amanhã. - Ele sorriu, chegou perto de mim e abraçou-me. 
O mundo pareceu dar uma volta de 180 graus e esqueci-me de tudo, esqueci-me que estava atrasada para uma reunião, esqueci-me que amanhã tinha já combinado um jantar com uma amiga e nem dei por ela mas começou a chover.
 Olhei para o céu e a única coisa que me vinha à cabeça era o quanto tinha tido saudades daquele abraço.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Brilho

Uma das coisas mais bonitas na vida é conhecer pessoas brilhantes: sorriso genuíno, conversa profunda, olhares carinhosos, toques que transportam calor e sentimento, gargalhadas contagiantes...
Quando conhecemos pessoas assim a vida fica mais leve, mais bonita, muito mais interessante.

Achei importante falar deste tipo de pessoas que engolem o nada e transformam-no em tudo. 
Por vezes estas pessoas fazem apenas parte da nossa vida por um instante, outras vezes por semanas ou meses. 
O que nos faz ser pessoas melhores e mais felizes é quando pessoas assim, brilhantes, fazem parte da nossa vida durante anos. Pessoas que se transformam em amigos, não a definição banal de amizade mas aquela que define a vida humana.

Sei que sou alguém com muita sorte, sei-o porque passei um fim-de-semana absolutamente incrível não só com velhos amigos mas com amigos não tão velhos que se tornaram a base da minha existência, que se tornaram família
Estas amizades de anos deixam-nos ser felizes, deixam-nos ser nós próprios, deixam-nos continuar a viver sem mágoas, sem rancores, sem mal-entendidos, sem stresses. Deixam-nos num estado de preenchimento interior que nos confirma que a vida é incrível e que apesar de tanta coisa inútil e sem sentido existem sempre pessoas no mundo que o tornam um lugar melhor para viver. Algumas dessas pessoas são vocês, amigos que já fazem parte de mim,amigos que são: um braço, uma perna, uma válvula, uma veia. Sem vocês, o sangue não corria da mesma maneira, o sangue estagnava, o sangue não era tão vivo. A vida era menos, muito menos, a vida era nada. 
Eu seria menos, seria pouco, muito pouco sem o brilho que vocês partilham de todas as vezes que sorriem, abraçam e estão presentes.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Multidões de nada


 Descobri este ano algo que me assustou: As pessoas, na sua maioria, cansam-me.
As suas confusões, os seus relacionamentos, os seus caprichos, as suas necessidades, as suas exigências, as suas dúvidas, tudo.
Canso-me com tudo isto.
Houve um tempo em que pensei que só precisava de mudar de rotina, só precisava de uma aventura, de viajar... Pensava que ao viajar sozinha tinha o tal descanso de pessoas que, por vezes, tanto precisava. Porém, não. Há mais tendência para falarem connosco quando viajamos sozinhas, as pessoas acham que quando as mulheres viajam sozinhas é porque precisam de ajuda ou de companhia ou dos dois. Pois posso dizer-vos que hoje em dia já existem muitas mulheres que estão tão bem com elas próprias que não precisam de ninguém para adicionar nada às suas vidas. Podem vir pessoas para ser um extra e vir dar ainda mais luz aos nossos caminhos mas não são uma luz ao fundo do túnel.
  Portanto devíamos parar um bocadinho para pensar na importância de não falar, de não evadir um espaço para o qual não se foi convidado a entrar.

Conhecer pessoas não é mau, o que é mau é chegar tantas vezes à conclusão do quanto desinteressantes muitas delas são.
A raça humana apesar de ter muitos seres simpáticos são tantos eles apenas mais um entre muitos, sem nada que os distinga. Um ponto preto no meio de milhões de pontos pretos, uma mancha num papel cheio de manchas, uma rocha numa montanha com centenas de rochas iguais, uma nuvem negra no céu carregado de chuva.

 Raros os momentos em que vemos uma linha em vez de um ponto, um desenho em vez de uma mancha, uma flor em vez de uma rocha, o sol em vez de uma nuvem. Raros.
 Quando acontecem trazem-te, instantaneamente, um sorriso à cara e um desejo profundo de que essa ilusão se prolongue. 
No entanto, mais tarde ou mais cedo descobrimos que somos todos iguais e que essa diferença só dura por um momento, momento esse prologado pela tua vontade de ver a diferença ou pela vontade de o outro de ser a diferença, ou ambas as coisas ao mesmo tempo.
Tocamos por breves momentos nessa energia que é ser alguém transcendente, sentimos o seu poder sobre nós e largamos a dita cuja, esperando que a energia não se esgote e que se junte à nossa por sua livre vontade. Que juntos criemos esse espaço que não existe e do qual sempre quisemos fazer parte.
Somos todos humanos mas os melhores de nós são aqueles que querem ser algo melhor, algo diferente, algo brilhante...