segunda-feira, 30 de março de 2020

Moving on

Tem-se dito muito. Tem-se escrito muito, falado muito, gritado muito, chorado muito.
Esperam-nos meses caóticos, cheios de desespero, incógnitas, pânico, mágoas, incompreensão, injustiças, o tudo do nada.

Já passei por várias fases nestas últimas semanas, já me apeteceu gritar muito, bater em alguém, chorar até não haver amanhã. Já pensei que era mentira, não podia ser tão grave. Não acreditei a início que a nossa realidade ia mudar drasticamente. Não acreditei que fosse possível.
Porém, aqui estamos. Presos em casa, sem trabalho, sem liberdade.

Em tempos disse que podia sobreviver a tudo menos a uma vida sem liberdade. Agora que aqui estou, rio-me e lembro-me que já vivi sem liberdade e que sobrevivi.

Tudo isto tem sido um enorme desafio para a humanidade. Viraram-nos as vidas ao contrário e agora temos que nos desenrascar.
 Talvez por grande parte da minha vida ter sido estar em casa, sem fazer grande coisa, isto agora não me parece novo. Não queria voltar a isto, não era a minha ideia ter tempo para ler mais, para escrever mais. Não tinha ideia que ter tempo para pensar era uma vontade, nem por isso. No entanto aqui estou, a ter ideias, a acabar de ler livros que tinha para ler há anos, a escrever muito mais do que tenho escrito nos últimos anos. Claro, tem as suas coisas negativas, tenho voltado ao passado, tenho tentado ir buscar outra vez significados ao passado. Pensar demasiado sempre foi um hobbie constante, por essa razão também gosto de manter-me ocupada. Não estar ocupada e não puder ir viajar é interessante. É o obrigar-me a lidar comigo própria, é o não ter escape, é o obrigar-me a fazer alguma coisa para ajudar os outros, é o obrigar-me a pensar mais nos outros, na humanidade.

 Por mais que tenha receio com o que possa acontecer nos próximos meses, também estou curiosa para ver como é que a humanidade lida com tudo isto. Um pouco como um jogo. A vida de todos nós parece agora um jogo, um filme, um livro, uma história de ficção cientifica que não acreditaríamos ser possível vivenciar.
Estamos incrédulos, todos os dias ficamos ainda mais incrédulos. Mesmo não vendo televisão há quase 3 semanas, as notícias chegam até mim por todos os lados. Somos bofeteados com notícias a todos os instantes. A humanidade não sabe lidar com esta nova realidade. E entre os que estão em pânico, os que estão optimistas, os que estão preocupados, os que estão a tentar ver o lado positivo disto, os que estão a dar força aos outros, os que salvam vidas, os que continuam a trabalhar por isso a vida parece não ter mudado tanto, os que acordam todos os dias a chorar, os que saem de casa para ir correr por que não dá mais, os que ainda não acreditam na gravidade da situação, os que pegam no carro para ir a lado nenhum (está tudo fechado) sendo que lado nenhum é importante porque é sair de casa, desde os que se estão a passar porque perceberam que não têm paciência para a família, os que descobriram mais sobre a sua família, os que vivem sozinhos e como eu, aprendem mais sobre si próprios... Todos nós, ainda vivos, ainda aqui, à espera.

Alguns de nós sabem que nada voltará a ser como era. Não é fácil pensar nisto.

A vida que tinha posso esquecê-la.
Sendo assim o que farei a seguir? Quem me tornarei? Que caminho quero seguir depois disto? Vou ter liberdade para escolher?
E aceito tudo isto, como aceito o final infeliz do livro que li ontem.
Relativizo. Pois, sei que não será para sempre. Relativizo e penso melhor. O que quero ser depois disto? Que outros sonhos tenho? O que também me fará feliz?

Assim, outra fase da minha vida se encerra. Foi um encerramento forçado, no entanto, vem-me à cabeça a expressão: Be careful what you wish for.