segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Pedaços de vários universos

 Como sempre, vejo o céu com dezenas de estrelas como vejo a vida cheia de possibilidades. Quero muito viver tudo. Todas estas possibilidades deixam-me à deriva e tanto escolho algo ao acaso para experimentar como congelo e nada escolho. Tanto quero escrever outro livro, como quero aprender outro idioma, como quero fazer voluntariado e ajudar outras pessoas, como quero um novo trabalho, como quero voltar ao trabalho que já conheço. Quero conhecer pessoas novas todas as semanas, dançar até cair, ficar aqui e explorar todas as ruas, levantar-me e ir viajar, apreciar isto, agora, o momento presente e a escolha que me levou até aqui e depois rejeitar tudo e duvidar de tudo. Lidar comigo é impossível. 

Não quero seguir apenas um caminho, quero seguir todos e perder-me em todos eles, falhar, rir-me, estar presente, ser feliz em todos eles. É cansativo ser tudo e estar em todo o lado, mas é a única maneira de tapar este buraco, de satisfazer esta alma insaciável, a única forma que encontrei de ser feliz. Ao mesmo tempo, que é também o que me destabiliza, o que me enlouquece, o que me deixa em mil bocados, o que me dilacera, o que não me deixa ser feliz. Isso. É esta a loucura em que vivo. Todos os dias enlouqueço um pouco mais, a cada dia que passa menos sei quem sou e o que estou aqui a fazer, no entanto, a loucura é também casa, um espaço familiar, a loucura é também um caminho. Caminho esse que percorro com cuidado como uma louca medicada. O segredo é conhecer-mo-nos o suficiente para saber que vendo o abismo jamais sucumbiremos ao mesmo, é saber que, apesar de tudo, a loucura tem-me permitido tanto, é acreditar que a loucura também tem algo a ensinar.

Sinto-me uma estudante todos os dias. A vida tem sido uma experimentação. Nada é garantido. Quando estivemos em todo o lado, vimos tudo, e tocámos em tudo, somos então pedaços de vários universos, somos, quase, omnipresentes, sentimos que entendemos melhor o que é ser humano, entendemos melhor a árvore do parque, apreciamos mais o vento que sopra, conhecemos um pouco melhor o mistério da vida, o tudo ou nada desta viagem que é estar-se vivo. Estar vivo é tanto que só a loucura nos deixa ver um pedacinho dessa imensidão.

AR

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Entre cumes

Nem tudo precisa de ser um exponencial de sentimentos e certezas.

Sinto que tenho problemas em aceitar a escala de cinzentos que existe na vida. Desde que me lembro que acredito apenas em paixões avassaladoras ou tristezas profundas. Tenho dificuldade em aceitar tudo o que existe no meio. Esqueço-me que a vida é tantas vezes detalhes com pouca intensidade. Não podemos viver constantemente em alvoroço, extremamente felizes ou a morrer por dentro num buraco negro. 

Tento fazer chegar a mensagem a mim própria, como uma entidade que não consigo alcançar. Gostava de aceitar o espaço na vida que existe entre cumes, esse espaço tem tanto para ensinar. 

Penso nisto e lembro-me de ti. Há algo em nós que é especial. Recuso-me em falar de amor, paixão, um cume. Falo em espelhos, em coincidências, em silêncios que, finalmente, fazem sentido. 

Há bem pouco tempo, a tristeza devorou-me por não sentir mais, embora, sinta, hoje, agora, suficiente ter encontrado alguém que é, em tantas facetas, um espelho meu.

Por um lado, tento esconder-te, quase como estranhar que parte de mim possa estar dentro de outro corpo. Interessante, que o que goste mais em ti, é o desapego que ambos conhecemos tão bem. Um aceitar outro tipo de ligação que não, a que a sociedade pensa que temos de ter. Não fazemos perguntas, sinto, que não precisamos das respostas, ou elas acabam por aparecer noutro formato. No outro dia, olhei para os teus olhos e vi uma profundidade de cores que me fez sorrir, pensando na beleza dos encontros. Sempre que sei de mais um pormenor em que somos parecidos, não fico mais surpreendida, mas, seria mentira se dissesse que a minha alma não se sente confortada.

Sendo tu como eu, é difícil chegar até à tua essência. Reconheço bem essa característica e pela primeira vez, em muito tempo, não tenho perguntas, não quero saber já tudo, não preciso de falar insistentemente. Pela primeira vez, em muito tempo, não só aceito o silêncio como aprendo com ele. Há coisas na vida que não precisam de ser ditas.

A vida é o que fazemos dela, abraçando todas as fissuras, as cicatrizes abertas, as dúvidas existenciais, as incertezas de significados e o mistério do futuro. Não há outra forma de viver se não abraçando tudo isto. 

Não te conhecendo bem, sinto que no nosso abraço existe um mistério que é muito nosso. Não temos  uma realidade conjunta, mas temos, sim, duas realidades tão ricas e complexas que a fusão talvez nos levasse a uma explosão de vivências, acontecimentos e momentos. Não temos a certeza se queremos explodir seja com o que for, embora saibamos o quão bela a vida tem sido. Temos a certeza de uma única coisa, faremos os possíveis e impossíveis para que ela continue a ser uma aventura, seja ela uma aventura compartilhada ou a solo.

AR

domingo, 9 de janeiro de 2022

Perdoa-me.

Tenho problemas.

Reparo no quão sem sentido sou.

Acredito que devemos investir mais nas pessoas, investir mais uns nos outros, mas sou a primeira a desistir. Desisto, e depois quero que não desistam de mim, assim como um jogo de gato e rato. Não invisto, não aprofundo, embora fique à espera que o outro lado tenha a resposta contrária. Se insistirem do outro lado, acho a pessoa irritante, se não insistem fico deprimida. Um jogo sem sentido nenhum, em que não interessa o desfecho, pois esse é sempre negativo a meus olhos. 

Há muitos anos que deixei de acreditar, no entanto, tenho uma ideia no fundo da minha mente que a pessoa certa vai mudar as minhas atitudes. Embora, é possível que deixe fugir todas as pessoas certas. Deixo-as ir porque tenho medo. Receio que não funcione, receio que funcione. Todos os desfechos são maus. Se não funcionar perdeu-se tempo de vida e energia, perdeu-se esperança, se funcionar fico presa a uma pessoa, a minha felicidade passa a ser responsabilidade de outrem. 

Agora mais que nunca sei que a culpa tem sido minha. Não tenho estado disponível, há muitos anos que não o estou. 

Saber isto, podia fazer-me mudar de comportamento e dar-te uma oportunidade. A ti, que claro como todos os outros não fazes sentido nenhum, a ti, que provavelmente nem vais estar presente na minha vida daqui a uns meses, a ti que falas uma língua que não é a minha, falando uma língua que é tão minha que não tem interesse, a ti que me lembraste o que é ser desejada outra vez... O maior problema de todos: não gosto assim tanto de ti. Gostava de gostar um bocadinho mais, gostava de não desistir já, gostava, ao menos, de dar-me a conhecer. Niente. Sinto-me distante, fechada em quatro paredes. Olho para ti, sorrio e penso que não consigo dar mais, por mais que, teoricamente, gostasse, não me sai das entranhas, a minha alma nada tem a dizer. Sem ser: perdoa-me. 

Uma mensagem que não sei bem se é para ti ou para mim mesma.

AR

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

2022

 Há algo no número 2022 que é meio estranho. Demasiados dois, não sei.

Chegamos a este ano meio baralhados das ideias, o mundo nos últimos anos tem sido caótico, não sabemos bem se devemos estar entusiasmados com este novo ano. Damos um passo atrás, escondemos o sorriso e duvidamos de tudo. Viver não é tão leve como era no início de 2020. Viver tem sido um desafio constante, uma batalha imprevisível, um jogo sem regras.

No entanto, apesar de querer falar pelo colectivo, a minha experiência tem sido, provavelmente, muito melhor que a da maior parte das pessoas. Quase que sinto que estes últimos anos me enriqueceram.

Olho para o futuro e nunca deixei de acreditar. Mesmo quando estava tudo parado e escuro, nunca deixei de crer em dias melhores. Há algo em mim, cá dentro que nunca parou de brilhar. Sei que não é só sorte, sei que quando não desistimos, não baixamos os braços, a vida mostra-nos que é possível esmagar os obstáculos, vencer a escuridão, dar uma estalada na morte.

É surpreendente que nunca tenha sido espiritual, enquanto acredito tanto no nosso espírito. É como se essa caixa não fosse para mim, conheço o seu interior, mas não quero entrar nela e permanecer.

Nunca quis permanecer em nenhuma caixa.

Agora, neste momento, não tenho conclusões sábias, nem decisões epopeicas, nem lógicas iluminadas, o que tenho é motivação, teimosia, optimismo e um "je ne sei quois" que me tem salvo do caos. 

Aprendi no ano que passou que não preciso de estabilidade, nem preciso das mesmas pessoas sempre por perto, o que necessito é de pôr-de-sóis e de pessoas aleatórias que nos ensinam a gostar de nós próprios e que fazem questão de colocar na vida um pózinho mágico de uma energia que é o que faz os nossos corações bater. Apaixono-me por momentos tantas vezes... quantas me são permitidas pela vida, apaixono-me por estranhos, pelos seus sorrisos, pelas suas palavras, pela sua alma. Apaixono-me pela natureza e derramo lágrimas com os feixes de luz a reflectir seja no que for. A vida é muito mais do que aquilo que nos fazem crer.

Viver, mesmo nos dias de hoje, ainda é um milagre, ainda é uma viagem que vale a pena ser experienciada.

AR