domingo, 31 de outubro de 2010

Há lugar para a verdade

"Como se a vida fosse fácil dás-me verdades de pacotilha que eu estou a coleccionar para te atirar à cara quando fazemos amor.
Em vez de nomes feios vou-te cuspir lugares comuns como orgasmos múltiplos que se querem com rasgos de entusiasmo que eu carrego nas costas à feição das tuas unhas.
E, na verdade, não gosto de ti só porque não te suporto mas, no mais profundo calabouço, consegues dar-me o riso do despropósito e as lágrimas fáceis de quem não sabe o que diz e isso faz-me bem porque não me faz mal. Alivia-me porque me acompanha, informando-me a cada momento que a vida é uma graçola sem fim e sem sentido e que todos andamos com o propósito de dar trabalho ás pernas para que não apodreçam...e aos braços para que se movam como os pêndulos perpétuos da solidariedade.
E rimo-nos de tudo porque há sempre quem sofra mais... que é o que se diz ao miúdo que não quer comer a sopa...para que o bem-estar de toda a civilização prevaleça é importantíssimo, crucial até, contar ao garoto que não come o caldo que existe do outro lado do mundo um garoto igualzinho a ele (à excepção da cor e da falta de membros superiores cortados previamente à catanada) que gostaria de estar a comer aquela sopa quentinha a afogar agriões. É determinante dizer ao menino que não quer comer que há mais quem queira. E que quem quer merece mais porque tem mais fome. E o moço pergunta: - Então porque tenho de comer eu sopa azeda se há meninos sem mãos e sem pais que precisam mais do que eu?
E o moço particularmente inteligente do poema tem toda a razão. Porque havemos nós de sofrer menos porque os outros sofrem mais? Ora, eu sofro à minha maneira, da minha forma ocidental, senão está bem multem-me, estraguem-me a vida para eu ver o lado positivo e os que dizem "muita sorte tens tu" podem ir para o caralho porque se eu tivesse muita sorte não tinha de os ouvir...a falar da minha sorte...quando eu só quero chorar...e partir tudo...e mandar toda a gente bardamerda. Há lugar para a verdade por isso tu, que eu fodo com paixão e que desprezo com prazer, podes meter as tuas verdades...Como é que tu dizes? "Tu não gostas é de ouvir as verdade...Eu digo pela frente para não dizer por trás"... Como eu estava dizendo tu e esses borra-botas que falam da minha sorte podem meter as verdades todas no cu.
Vou inventar uns lugares comuns novos e umas verdades por estrear para vos meter no cu a todos e vou fazer desta sodomia a minha única missão.
A partir de hoje auto proclamo-me clister universal da humanidade e irei dedicar todos os meus suspiros, desde o raiar até ao deitar, a intrometer no ânus do ex-símio as mais incómodas e protuberantes constatações.
E sempre que alguém se mexe na cadeira...sou eu. Sempre que alguém coça a intermitência das nádegas...sou eu. Sempre que a cueca resvala para o buraco negro não sou eu...mas a cueca trabalha para mim. Eu sou o ministro da comichão, o chato que vem atrás, o pica-miolos que sabe onde eles picam...e onde dói mais... e não vos vou dar descanso...e em vez de descanso dar-vos-ei infecções intermináveis de verdade, purgas de verdade, sangrias pestilentas de verdade. E sei bem que não é nos vossos olhos que alguma vez encontrarei o caminho para a felicidade mas enquanto vos obrigo a mexer, coçar, a sentir, a gemer, a estrebuchar talvez, por segundos, vos faça também pensar.
Quanto a ti, meu amor, minha musa de vulgaridade, nem sei como te amar mais, devo-te tudo, devo-me, dou-me todo, amo-te todo porque me entendes de corpo e sem alma, porque me ensinas o caminho todos os dias...porque, como tu costumavas dizer, quando corria mal no emprego:
"Meu querido, tens que começar por baixo. Tens que começar por baixo."

João Negreiros no seu melhor.

A espera

Fala comigo! Não te escondas do mundo, não te escondas de mim. Conta-me o que és, o que foste e o que gostavas de ser. Retrata-me os teus sonhos e desabafa sobre os teus pesadelos. Fala comigo!
Quero saber cada detalhe da tua essência, todos os detalhes que te fazem ser a pessoa maravilhosa que és. Conta-me a tua história e as tuas experiências, conta-me cara-a-cara o que pensas tu do mundo e o que pensas da vida.
Ri ou chora ou fica indiferente mas deixa-me ver a expressão do teu olhar, a linha dos teus lábios, o torcer do teu nariz, a ondulação do teu corpo, o levantar das sobrancelhas...
Poderias-me ensinar muito se falasses comigo. Se me mostrasses como é ser tu e me deixasses entrar nesse teu mundo que parece ser tão completo e colorido e, ao mesmo tempo, tão incompleto e sem cor.

No entanto, tu não queres saber dos meus desejos e da minha vontade e não te sentes à vontade nem para falar nem para exteriorizar o teu mundo. Não queres abrir a porta, não te apetece partilhar o que és...

E eu continuo aqui à janela a observar o teu mundo do lado de fora e a querer muito ajudar-te a ser feliz. Continuo à espera... que é o que se faz quando se ama a sério.

Espero que um dia ela abra a porta e me deixe entrar no seu mundo imenso. Se não abrir só posso ter pena e acreditar que não era eu que a faria verdadeiramente feliz.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010


A perfeição só aparece por um instante, o resto da vida é imperfeita.
O segredo está em saber lidar com essa imperfeição e torna-la algo suportável e quiçá, uma imperfeição em que gostemos de nos envolver.
Ninguém nunca disse que era fácil e, sinceramente, o que é fácil não me interessa.
O que é fácil não enriquece nem a minha vida nem a minha essência.

Todos procuramos alguma coisa. A distinção entre os felizes e os infelizes está na conformação. Há quem se conforme com o que tem e há quem nunca desis
ta de lutar. Gosto de acreditar que estou na segunda categoria... Porém... Às vezes não sei. E nessas vezes não sei nada e sei tudo. E entro num círculo vicioso e viciado no qual nunca saio com grandes respostas e sempre com mais perguntas. Tento-me guiar por elas para encontrar a tal imperfeição especial e única que acredito que existe. Mas eu acredito em coisas a mais e muitas vezes em coisas a menos. E depois perco-me e volto-me a encontrar e perco-me outra vez...Penso que a vida é isto mesmo.


Como disse há uns anos atrás:
Viver, ás vezes, é cansativo e é mais bonito sonhar.

Porque, ás vezes, viver é cansativo...e é sempre mais bonito sonhar...